quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CRÔNICA DO MECENATO ANUNCIADO

Um dos pontos polêmicos no que tange a política cultural em Curitiba sempre foi o financiamento à cultura. E quando os recursos não são suficientes ou acabam no início do exercício fiscal a polêmica só aumenta. 

Hoje quase a totalidade das ações culturais em Curitiba, é financiada pelo PAIC, (Programa de Apoio e Incentivo à Cultura) que engloba os mecanismos de renúncia fiscal, conhecido como mecenato e o fundo municipal de cultura. 

Ainda que o poder público devesse fomentar diretamente atividades culturais em Curitiba, o orçamento da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), cerca de 49,8 milhões em 2014, é (e será sempre) praticamente todo consumido com o custeio administrativo. O que é necessário, afinal a FCC é o ente gestor.  E qualquer política pública de cultura é baseada em três pilares: regulação, financiamento e gestão. Como se trata de um órgão público, suas despesas aumentam ainda que o governante não queira.
As tríades são importantes pra entendermos como regular, financiar e gerir a cultura.
Por isso estes mecanismos, entendidos como o "pilar financiamento" são importantes. Cabem aos mesmos que estão presentes na lei 057/05, o "pilar regulação", destinar os recursos para fomentar as atividades culturais em Curitiba. Em 2014 os recursos somados dos mecanismos foram de 18,9 milhões. Valor que é menos do que a metade do orçamento global da FCC, o "pilar gestão" segundo o portal da transparência da PMC.

Analisando o mecenato, modalidade que utiliza a renúncia fiscal de ISS e IPTU como base de investimentos, algumas decisões tomadas no passado levaram a um cenário complexo que levou novamente ao esgotamento precoce dos recursos em 2015. Vejamos:

O primeiro ponto diz respeito ao aumento de projetos aprovados, que saltou de 295 no edital de 2011 para 466 no edital de 2012. Um aumento de 58% que resultou em muitos projetos procurando captação. Isso leva o sistema a demandar recursos que não existem, pois há um limite orçamentário estipulado por decreto. Como os recursos são limitados há que se haver um número de projetos aprovados coerentes com tais limites. Esta falha vem impedindo o cumprimento da legislação 057/05 que impõe a abertura de dois editais anuais para o mecanismo. Ou seja, desde dezembro de 2011 quando o edital de 2012 foi aberto não houve mais lançamento de edital. São três anos sem abertura de edital para seleção de novos projetos.
O limite orçamentário sempre vai definir as regras, mesmo com a demanda aumentado
Até o início do ano, 297 projetos encontravam-se sem captação. Destes 109 abriram garantiram recursos em janeiro e portanto 188 projetos agora ficarão sem captação e deverão serão arquivados. Obviamente com muitos projetos simultâneos em busca de captação o caos se instala vencendo quem chega na frente e transformando aquilo que deveria ser um processo em uma verdadeira maratona. 

O segundo fator que também colaborou para este cenário caótico foi a natural correção monetária no teto dos projetos, que saltou de R$ 90.000,00 para R$ 107.000,00. Tal aumento, necessário uma vez que temos inflação no país rodando na casa dos 6,5%, elevou o valor médio de cada projeto.  O aumento em si não seria um problema tão grande, desde que a destinação orçamentária para a finalidade renúncia tivesse sido elevada, fato que não vem ocorrendo há quatro anos. 

E ainda assim a série histórica evidencia que os R$ 42.000,00 destinados a cada projeto no início do funcionamento da lei em 1995 provavelmente corresponderia a um recurso muito maior se tivesse havido a correção inflacionária do período como é possível verificar abaixo.
Os valores dos projetos não acompanharam nem de longe a inflação medida pelo IGPM.
A burocracia é o terceiro fator que agravou a situação. Com a mudança de governo levou-se cerca de nove meses para que resultado do edital de 2012 fosse publicado, fato que ocorreu somente em setembro de 2013 quando os recursos referentes àquele ano haviam se esgotado. O tempo entre a abertura do edital o julgamento que foi de 343 dias no edital de 2010/11 saltou para 613 dias no edital de 2011/12

Tal intervalo tende a represar a demanda fazendo com que o edital posterior bata recorde em número de inscritos. Como os processos possuem dois anos corridos para obter a captação todos os projetos aprovados no último edital concentraram a captação logo no início do ano de 2014, razão pela qual os recursos se esgotaram em maio daquele ano. O mesmo ocorreu agora em janeiro 2015, de forma ainda mais precoce. 

Mas a principal questão chama-se dotação orçamentária. Como é sabido, a legislação atual 057/05 indica um percentual de 1% da arrecadação de IPTU e ISS baseada no ano anterior para a aplicação dos recursos incentiváveis trâmite Renúncia Fiscal e 1% trâmite Fundo Municipal de Cultura. 

Todavia desde 2011 os valores destinados não acompanham o aumento da arrecadação. Apenas como referência, a arrecadação de IPTU e ISS somadas em 2014 foi de 1,389 bilhões, o que deveria injetar 13,89 milhões em cada um dos mecanismos em 2015. Porém para o Mecenato Subsidiado foram destinados este ano 10,1 milhões. Valor inferior ao de 2013 como mostra o gráfico abaixo com dados da diretoria de incentivo e do portal da transparência.
A arrecadação acompanha a inflação, já os investimentos através de renúncia fiscal...
Assim, ao contrário de outras secretarias e da própria FCC não há aumento de recursos. Nenhuma correção. Se não há aumento de repasse, não há também espaço para aumento de projetos aprovados ou aumento no orçamento individual dos projetos.

A título comparativo: em 2011 os recursos globais do PAIC (fundo somado ao mecenato) foi de 19,898 milhões e
 orçamento da FCC foi de 37,017 milhões.  Em 2014 o PAIC recebeu 18,9 milhões enquanto a FCC recebeu 49,8 milhões ou seja, enquanto a FCC aumentou seus recursos em 35% os recursos destinados às atividades artísticas não só não aumentaram como diminuíram. E a arrecadação de IPTU e ISS cresceu 47% neste período

Este furo na liberação dos recursos pode significar perto de 7,7 milhões de reais a menos nos anos de 2013, 2014 e 2015 somados. Isto somente na modalidade renúncia fiscal. Valor mais do que suficiente para cobrir os projetos que ficaram de fora e até mesmo novos editais a fim de manter o ciclo em funcionamento. Novamente os dados são do portal da transparência e da diretoria de incentivo.


Se um pouco desta diferença tivesse sido aplicada ao longos dos últimos exercícios fiscais não ficariam projetos de fora.
Há ainda um crescimento constante de novos entrantes, afinal, a cada dia novos artistas surgem, aparecem, ganham visibilidade e irão pleitear recursos. Há também o aumento das novas áreas pertencentes ao Sistema Nacional de Cultura que somados aos efeitos da inflação faz com que o município ao não cumprir o percentual de 1% da arrecadação de IPTU e ISS deixe não só de manter o patamar de investimentos em cultura que vinha realizando, mas ao não fazê-lo tornar o sistema insustentável no curto prazo.

Em resumo, o fato curioso é que a arrecadação cresceu nos últimos anos, o orçamento da FCC também, mas os investimentos nas ações culturais não. Seguindo este caminho ficará cada vez mais impossível e improvável atingir a meta de 1% do orçamento global do município para a cultura em Curitiba.

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