quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CRÔNICA DO MECENATO ANUNCIADO

Um dos pontos polêmicos no que tange a política cultural em Curitiba sempre foi o financiamento à cultura. E quando os recursos não são suficientes ou acabam no início do exercício fiscal a polêmica só aumenta. 

Hoje quase a totalidade das ações culturais em Curitiba, é financiada pelo PAIC, (Programa de Apoio e Incentivo à Cultura) que engloba os mecanismos de renúncia fiscal, conhecido como mecenato e o fundo municipal de cultura. 

Ainda que o poder público devesse fomentar diretamente atividades culturais em Curitiba, o orçamento da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), cerca de 49,8 milhões em 2014, é (e será sempre) praticamente todo consumido com o custeio administrativo. O que é necessário, afinal a FCC é o ente gestor.  E qualquer política pública de cultura é baseada em três pilares: regulação, financiamento e gestão. Como se trata de um órgão público, suas despesas aumentam ainda que o governante não queira.
As tríades são importantes pra entendermos como regular, financiar e gerir a cultura.
Por isso estes mecanismos, entendidos como o "pilar financiamento" são importantes. Cabem aos mesmos que estão presentes na lei 057/05, o "pilar regulação", destinar os recursos para fomentar as atividades culturais em Curitiba. Em 2014 os recursos somados dos mecanismos foram de 18,9 milhões. Valor que é menos do que a metade do orçamento global da FCC, o "pilar gestão" segundo o portal da transparência da PMC.

Analisando o mecenato, modalidade que utiliza a renúncia fiscal de ISS e IPTU como base de investimentos, algumas decisões tomadas no passado levaram a um cenário complexo que levou novamente ao esgotamento precoce dos recursos em 2015. Vejamos:

O primeiro ponto diz respeito ao aumento de projetos aprovados, que saltou de 295 no edital de 2011 para 466 no edital de 2012. Um aumento de 58% que resultou em muitos projetos procurando captação. Isso leva o sistema a demandar recursos que não existem, pois há um limite orçamentário estipulado por decreto. Como os recursos são limitados há que se haver um número de projetos aprovados coerentes com tais limites. Esta falha vem impedindo o cumprimento da legislação 057/05 que impõe a abertura de dois editais anuais para o mecanismo. Ou seja, desde dezembro de 2011 quando o edital de 2012 foi aberto não houve mais lançamento de edital. São três anos sem abertura de edital para seleção de novos projetos.
O limite orçamentário sempre vai definir as regras, mesmo com a demanda aumentado
Até o início do ano, 297 projetos encontravam-se sem captação. Destes 109 abriram garantiram recursos em janeiro e portanto 188 projetos agora ficarão sem captação e deverão serão arquivados. Obviamente com muitos projetos simultâneos em busca de captação o caos se instala vencendo quem chega na frente e transformando aquilo que deveria ser um processo em uma verdadeira maratona. 

O segundo fator que também colaborou para este cenário caótico foi a natural correção monetária no teto dos projetos, que saltou de R$ 90.000,00 para R$ 107.000,00. Tal aumento, necessário uma vez que temos inflação no país rodando na casa dos 6,5%, elevou o valor médio de cada projeto.  O aumento em si não seria um problema tão grande, desde que a destinação orçamentária para a finalidade renúncia tivesse sido elevada, fato que não vem ocorrendo há quatro anos. 

E ainda assim a série histórica evidencia que os R$ 42.000,00 destinados a cada projeto no início do funcionamento da lei em 1995 provavelmente corresponderia a um recurso muito maior se tivesse havido a correção inflacionária do período como é possível verificar abaixo.
Os valores dos projetos não acompanharam nem de longe a inflação medida pelo IGPM.
A burocracia é o terceiro fator que agravou a situação. Com a mudança de governo levou-se cerca de nove meses para que resultado do edital de 2012 fosse publicado, fato que ocorreu somente em setembro de 2013 quando os recursos referentes àquele ano haviam se esgotado. O tempo entre a abertura do edital o julgamento que foi de 343 dias no edital de 2010/11 saltou para 613 dias no edital de 2011/12

Tal intervalo tende a represar a demanda fazendo com que o edital posterior bata recorde em número de inscritos. Como os processos possuem dois anos corridos para obter a captação todos os projetos aprovados no último edital concentraram a captação logo no início do ano de 2014, razão pela qual os recursos se esgotaram em maio daquele ano. O mesmo ocorreu agora em janeiro 2015, de forma ainda mais precoce. 

Mas a principal questão chama-se dotação orçamentária. Como é sabido, a legislação atual 057/05 indica um percentual de 1% da arrecadação de IPTU e ISS baseada no ano anterior para a aplicação dos recursos incentiváveis trâmite Renúncia Fiscal e 1% trâmite Fundo Municipal de Cultura. 

Todavia desde 2011 os valores destinados não acompanham o aumento da arrecadação. Apenas como referência, a arrecadação de IPTU e ISS somadas em 2014 foi de 1,389 bilhões, o que deveria injetar 13,89 milhões em cada um dos mecanismos em 2015. Porém para o Mecenato Subsidiado foram destinados este ano 10,1 milhões. Valor inferior ao de 2013 como mostra o gráfico abaixo com dados da diretoria de incentivo e do portal da transparência.
A arrecadação acompanha a inflação, já os investimentos através de renúncia fiscal...
Assim, ao contrário de outras secretarias e da própria FCC não há aumento de recursos. Nenhuma correção. Se não há aumento de repasse, não há também espaço para aumento de projetos aprovados ou aumento no orçamento individual dos projetos.

A título comparativo: em 2011 os recursos globais do PAIC (fundo somado ao mecenato) foi de 19,898 milhões e
 orçamento da FCC foi de 37,017 milhões.  Em 2014 o PAIC recebeu 18,9 milhões enquanto a FCC recebeu 49,8 milhões ou seja, enquanto a FCC aumentou seus recursos em 35% os recursos destinados às atividades artísticas não só não aumentaram como diminuíram. E a arrecadação de IPTU e ISS cresceu 47% neste período

Este furo na liberação dos recursos pode significar perto de 7,7 milhões de reais a menos nos anos de 2013, 2014 e 2015 somados. Isto somente na modalidade renúncia fiscal. Valor mais do que suficiente para cobrir os projetos que ficaram de fora e até mesmo novos editais a fim de manter o ciclo em funcionamento. Novamente os dados são do portal da transparência e da diretoria de incentivo.


Se um pouco desta diferença tivesse sido aplicada ao longos dos últimos exercícios fiscais não ficariam projetos de fora.
Há ainda um crescimento constante de novos entrantes, afinal, a cada dia novos artistas surgem, aparecem, ganham visibilidade e irão pleitear recursos. Há também o aumento das novas áreas pertencentes ao Sistema Nacional de Cultura que somados aos efeitos da inflação faz com que o município ao não cumprir o percentual de 1% da arrecadação de IPTU e ISS deixe não só de manter o patamar de investimentos em cultura que vinha realizando, mas ao não fazê-lo tornar o sistema insustentável no curto prazo.

Em resumo, o fato curioso é que a arrecadação cresceu nos últimos anos, o orçamento da FCC também, mas os investimentos nas ações culturais não. Seguindo este caminho ficará cada vez mais impossível e improvável atingir a meta de 1% do orçamento global do município para a cultura em Curitiba.

terça-feira, 6 de maio de 2014

NOVO PISO SALARIAL PARA ATORES IRÁ CRIAR IMPASSE PARA AS PRODUÇÕES LOCAIS

Depois de 7 anos, um reajuste salarial para a classe artística. Dá pra comemorar?

Categoria privilegiada, com recomposição acima da inflação!
No último dia 05 de maio no Mini-Guaira, houve uma reunião conjunta entre sindicato de trabalhadores e sindicato patronal SATED/PR e SEPED/PR para redefinição dos pisos salariais dos artistas e técnicos para a área teatral. A tabela existente era de 2007, desde então não havia sofrido nenhuma correção e considerando a inflação recente isto significa perdas para quem atua no setor. Mas para algumas carreiras houve recomposição de 123%, muito acima da inflação do período que foi de 58,2%. Tanto que pela primeira vez o artista entrará na faixa incidente de Imposto de Renda de 7,5% e portanto terá um desconto de R$ 172,50 por mês trabalhado. Mas será que alguém preocupou-se com o impacto de tal medida como acontece em outros setores da economia?

Um reajuste assim certamente irá afetar o tipo de produção que veremos pela frente em Curitiba nos próximos anos. Explico: o cachê mensal de um ator em um espetáculo teatral deverá sair dos atuais R$ 1.030,00 para R$ 2.300,00. O cachê dos artistas criadores passa para R$ 2.600,00 e do diretor teatral pra R$ 6.000,00. Então pela nova tabela, um espetáculo-padrão com três meses de duração, 24 apresentações e um elenco de seis atores terá um custo/cachê estimado de R$ 85.000,00. Mas este valor refere-se apenas para o pagamento dos artistas e técnicos, há que se contar ainda as despesas com a produção em si: direito autoral, cenografia, figurino, estúdio de som, locação de luz, locação de som, locação de teatro, material gráfico e divulgação.

Se levarmos em consideração que a principal fonte de financiamento aos espetáculos em Curitiba hoje é a Lei Municipal de Incentivo à Cultura, que tem um teto de investimento de R$ 107.000,00, significa que para cobrir todas as outras despesas sobrariam cerca de R$ 22.000,00. E isso no caso do projeto ser aprovado integral. Então, a viabilidade de um projeto vai depender sempre do número de atores nele inseridos, o que varia bastante conforme o texto escolhido. Shakespeare ou um Nelson Rodrigues na íntegra será algo impraticável.

Hamlet: só com um ator e uma caveira figurante.
Escolhas artísticas e autorais à parte, devo dizer que ninguém é contra que haja uma correção. Ela deve ser feita de tempos em tempos, afinal a inflação está aí com tudo. Mas se utilizarmos como base a tabela de 2007 e aplicar o IGPM-M do período através da calculadora do BACEN, a correção deveria dar um valor em torno de R$ 1.630,00. E caso fosse utilizado como critério o reajuste acumulado do salário mínimo nacional no período o aumento deveria ser de no máximo 91,2%. que daria um piso sindical em torno de R$ 1.962,42.

Então fica claro que praticar uma recomposição acima de qualquer índice certamente vai influenciar a produção local. Veremos cada vez mais monólogos, pois como em economia há a máxima de que não existe almoço de graça, o aumento aprovado pela própria classe necessitará de um correspondente crescimento de receitas que suporte isso ou de um corte radical de gastos. Um corte que será na própria carne produzindo espetáculos ainda menores do que já são, que empregarão ainda menos artistas e com temporadas bem curtinhas. Com um pouco de sorte umas 12 apresentações pra concorrer ao Gralha Azul.

Na outra ponta, aumentar as receitas significaria aumentar os investimentos em cultura. Mas não  parece que isto tenha qualquer perspectiva de acontecer, pelo menos não na mesma proporção do aumento, tendo em vista que o teto de incentivo do MECENATO foi reajustado no edital de 2012 em 34%, muito inferior portanto ao aumento concedido aos atores. No FUNDO MUNICIPAL DE CULTURA, mecanismo que a classe vem defendendo em substituição à renuncia os aumentos foram igualmente inferiores: Em 2014 Difusão em Teatro - 13% e anteriormente em 2010 - Novelas Curitibanas - 40%.

E o consumo?  Para aumentar as receitas e recompor estas perdas decorrentes da inflação seria possível praticar também uma valoração no preço dos ingressos? Claro. Se houvesse espaço e vontade pra isso. Em 1994, ano de implantação do PLANO REAL o valor médio do ingresso em Curitiba era de R$ 15,00, hoje está em R$ 30,00, chegando aos R$ 40,00 em alguns casos. Se fossemos corrigir o valor do ingresso pelo IGP-M deveríamos ter hoje um valor de R$ 90,48. Alguém tem coragem de cobrar tal valor? Talvez. Mas haveria público disposto a pagar? Obviamente não. Acrescente-se aí, o fato de estarmos colocando aqui os valores da entrada inteira. Vale lembrar que neste período a quantidade de beneficiários da meia-entrada aumentou bastante o que ajudou ainda mais a derrubar os preços.

Indicadores: base para uma recomposição que deveria ser gradual
Só que a Lei Municipal de Incentivo ainda obriga a prática de um valor máximo de R$ 30,00 por se tratar de um financiamento público indireto. Outro fator que complica ainda mais o aumento de preços é o fato de que alguns produtores optam por não cobrar entrada, pois existe a ideia de que em se tratando de evento coberto com recursos públicos não há necessidade de cobrança, mesmo que os cachês estejam absurdamente defasados e os ingressos sejam uma ferramenta necessária para cobrir este déficit. "Não há público, é melhor nem cobrar!" Dizem. Então se não bastasse os baixos valores, a impossibilidade de aumentá-los a indisposição do público em “ir e pagar” ainda há a falta de capacidade dos produtores e artistas em "tangibilizar" e consequentemente "monetizar" a arte que concebem.

E a questão do ingresso, que é ignorada por muitos, é primordial para os poucos que se dispõem a produzir "no peito e na raça", sem investimento público. Aqueles que, portanto, dependem da bilheteria e acreditam no teatro como meio de vida, numa verdadeira cruzada de empreendedorismo criativo, tão na moda nos discursos, quanto ignorado nos fatos. Estes já não podiam pagar a tabela antiga, que dirá a atual. Evidentemente haverá pressão que trará ainda mais problemas pra se montar um espetáculo sem recursos públicos. Mas com certeza ninguém lembrou destes, ao decidir por um aumento tão significativo.

Claro que nem tudo é culpa da ignorância econômica de alguns. Fico pensando também se o investimento não está cada vez mais defasado. Vejam vocês, no início de funcionamento da Lei de Municipal de Incentivo, em 1993 um projeto era aprovado por R$ 60.000,00. Em 1996, antes de existir o Fundo Municipal de Cultura, a Fundação Cultural de Curitiba financiava também espetáculos com a modalidade prêmio Novelas Curitibanas/Encena, com R$ 40.000,00. Fazendo a correção pelo IGP-M através da calculadora do BACEN este valor hoje deveria estar na casa dos  R$ 170.000,00. A modalidade MECENATO algo na casa dos R$ 360.000,00. Parece absurdo, mas é apenas a inflação!

Enfim, pelos dados acima, fica claro que nosso setor, em razão do volume de contratos que gera, necessita de indicadores de atualização quer para os investimentos quer para os salários. Índices que prevejam reajustes como qualquer outro setor da economia. Só que isto deve ser feito com um mínimo de sensatez e fundamentado em algo concreto a fim de não criar distorções. Esta nova tabela conseguiu colocar a "rotunda na boca de cena".

Por fim devo dizer que os dilemas econômicos fazem parte do dia a dia do teatro. O setor das artes cênicas, como a música clássica, o ballet e a ópera é um dos mais afetados pela Lei da Fatalidade dos Custos dos norte-americanos William Baumol e William Bowen (1960) onde as despesas (trabalhistas ou não) crescem em ritmo muito superior que às receitas (sejam elas públicas, privadas ou comerciais). E claro que esta lei fica ainda mais fatal com uma inflação batendo 6,5% ao ano como está pra ocorrer.

terça-feira, 10 de abril de 2012

POLÍTICA CULTURAL EUROPÉIA

A convite do jornalista Desiderio Peron, editor responsável pela INSIEME - revista italiana editada em Curitiba e que trata de diversos assuntos que ligam o Brasil à Itália - dei uma entrevista bem interessante e que de certa forma conclui muitos dos assuntos que tratei neste blog.  

Conversamos sobre a experiência em cursar uma pós-graduação na Itália, a colaboração feita junto ao Piccolo Teatro de Milão e os exemplos de gestão dos teatros europeus. Espero que agrade à todos aqueles que se interessam por arte, cultura e mercado. 
A revista é publicada em italiano, mas traz em azul a tradução em português. Por precaução e para facilitar a compreensão publiquei abaixo das imagens a tradução completa. 


O texto em italiano têm tradução de Claudio Piacentini, que além de ser formado em economia é um dos grandes "alberghieros" na cidade de Roma. Piacentini foi também responsável por revisar a tese que defendi na Universidade Bocconi sobre Gestão de Marketing aplicada ao mundo do espetáculo - o caso Piccolo Teatro de Milão.










I: Que o levou a realizar o curso?
M: É uma história longa e ao mesmo tempo curiosa. Na primeira vez que fui à Itália eu tinha 21 anos, estava em Milão e fui ao teatro. Foi então que conheci o Piccolo Teatro, a sala histórica que fica no calçadão que liga o Duomo ao Castelo Sforzesco. Fiquei impressionado pela gestão organizacional principalmente no que tange a comunicação e o marketing dos espetáculos. Milão é uma cidade com bondes e ruas estreitas que nos remetem à Curitiba que só conheço nas fotografias dos anos 50. Pensei: um dia gostaria de morar e trabalhar aqui com teatro. Seis anos depois em 2002, tive a oportunidade de retornar à Itália, mas em Reggio-Emilia onde morei por 18 meses estudando e trabalhando. Na época fui cursar a Scuola Internazionale dell’Attore Comico, dirigida por Antonio Fava, um maiores conhecedores de commedia dell’arte do mundo. Quando estava para terminar os estudos, fui até o Piccolo Teatro de Milão pedir uma oportunidade de estágio pra acompanhar de perto a estrutura organizacional do teatro. O estágio não deu certo, acabaram agendando algumas apresentações teatrais em Roma e tive que descer até lá. Quando estava na estação de Termini, vi um panfleto que me chamou a atenção: “Master in Management dello Spettacolo”, promovido pela Universidade Bocconi e pela Accademia Teatro alla Scala di Milão. Era a primeira edição do curso em 2004. Pensei na carência de pessoas qualificadas no setor no Brasil. Aquele curso poderia ser um excelente programa de pós-gradução. Mas naquele momento era impossível, em poucas semanas estava voltando para Brasil. Guardei a publicidade. O tempo passou e em 2010 a Funarte, lançou um edital para bolsa-residência artística no exterior. Lembrei do panfleto, me inscrevi no edital da Funarte, passei e posteriormente a Bocconi e a Accademia Teatro alla Scala me aceitaram como aluno. Em 2011 cursei seis meses em tempo integral e três meses de estágio no Piccolo Teatro de Milão. Mas finalmente respondendo à sua pergunta: Ainda continuo acreditando que no Brasil não existe qualificação no que diz respeito à gestão no mundo do espetáculo. Não nos níveis europeus.


I: Com que visão sai dele?
M: A Bocconi é um centro de excelência Europeu no que tange à economia e à administração. É a sétima escola de gestão no ranking mundial do jornal Financial Times. O Teatro Scala e o Piccolo Teatro idem no que tange à lírica e ao teatro de prosa. Tivemos aulas que vão de contabilidade, recursos humanos e artísticos, gerência de projetos, marketing para a cultura, planejamento estratégico, empreendedorismo. Vivemos no dia a dia a realidade de centros de excelência artística, assistimos a palestras e ensaios de óperas com diretores do mundo todo. Estivemos em Londres onde visitamos outra infinidade de teatros e vivenciamos casos como o do Globe Theatre onde educação e arte vivem lado a lado. Quando olho para o Brasil, e especificamente para o Paraná, a sensação é a de que estamos muito longe disso tudo. Temos um enorme talento e um patrimônio cultural fantástico que deve ser bem administrado. Mas falta confiança. Falta aproximar Economia e Cultura, de verdade, na prática e não no discurso.


I: A tese que defende versa sobre o que?
M: Achei oportuno documentar o trabalho realizado no Piccolo Teatro de Milão. A Bocconi e tantas outras universidades Italianas estão cheias de teses sobre aquele teatro, mas gostaria que existisse uma com “olhar estrangeiro”. E que pudesse interessar aqui no Brasil. Trato da história do teatro, passo pelo caso que acompanhei quando atuava junto ao departamento de marketing, demonstro e critico alguns modelos de marketing digital aplicados ao setor do espetáculo e termino com um grande “epílogo” sobre a economia da cultura, base da tão discutida economia criativa ou a nova economia.


I: Como foi sua temporada na Itália? Fora o curso, teve tempo para contatos familiares, conhecer os lugares dos ancestrais? Que impressões teve?
M:Quando morei entre 2002 e 2004 conheci a Itália inteira. Ainda guardo um mapa onde eu minha esposa marcávamos os lugares que visitávamos. Literalmente percorremos toda a “bota”. Naquele período conseguia até imitar alguns acentos “dialetais” reconhecendo quem era de onde. Estive na cidade de Veronella em província de Verona de onde veio o avô de meu pai Marino. Desta vez foi diferente. Vivi muito intensamente a cidade de Milão. A metrópole. Pegava bonde, ônibus, metrô. Em Reggio Emilia usava bicicleta. Em Milão freqüentava muito ao teatro e exposições. Posso dizer que vi dois importantes momentos da Itália. Em 2002 o euro havia sido recém-implantado e o governo Berlusconi era muito forte. O país era muito diferente do Brasil, mais avançado tecnologicamente. Em 2011, além da crise e a troca por um governo “Bocconiano” percebe-se que o país está parado. Esperando. Como Didi e Gogo em “Esperando Godot” de Becket. O Brasil chegou mais perto da Itália. Economicamente até passou. Mas ainda estamos longe de ter o padrão de vida Italiano com trens, estradas, educação e cultura. E se não cuidarmos de problemas como as aposentadorias do funcionalismo público, poderemos ser a Itália ou a Grécia de amanhã. Como diz o tio de minha mulher, o economista Delfim Netto: “O Brasil corre o risco de envelhecer antes de ficar rico”. Se poderia trazer um exemplo atual falaria de uma das cidades que mais me surpreendeu:  Torino. Está se reinventado pela criatividade e pelo investimento em cultura. E também pela metropolitana que é um exemplo para Curitiba para o bem e para o mau.


I: Costuma dizer que não escolheu a profissão; foi a profissão que o escolheu: como vê o teatro em meio às modernas opções oferecidas pela tecnologia? Sobrevive?
M: Uma das teorias que estudamos na Bocconi diz respeito à fatalidade dos custos do setor artístico. Por mais que um espetáculo tenha público e gere receita financeira, ele nunca será capaz de cobrir seus custos com a bilheteria. Se cobre é por que deixou de remunerar atividades fundamentais para sua realização artística. Quando isso ocorre costuma-se dizer que o espetáculo é comercial. E é mesmo, pois depende exclusivamente da bilheteria para existir. Então o setor cultural é dito: estagnante, pois não cobre seus custos como os outros setores considerados progressivos. Então se faz necessária a intervenção do setor publico ou do setor privado. O Brasil está caminhando para termos investimentos públicos consideráveis em cultura, o que garante hoje a sobrevivência de muitos artistas. No entanto o setor privado limita-se a utilizar-se das leis de incentivo, o que na verdade é investimento público indireto. No Paraná nem isso fazem. Então nossa realidade é de luta constante. Se você faz um espetáculo com dinheiro público tem quem critique e você não tem público. Se faz com dinheiro da bilheteria tem publico, mas tem quem diga que é comercial e que aquilo não é arte. E se você depende do privado você não faz. Um dia eu gostaria de te responder que as os custos dos meus espetáculos são cobertos com 30% de investimento público, 30% de investimento privado e 40% de bilheteria. Aí podemos dizer que existe mercado e política cultural no Brasil. Sem hipocrisia. Sem dever nada pra ninguém, apenas fazendo o nosso trabalho como em qualquer país desenvolvido no mundo.


I:Seus planos para o futuro.
M:Como artista tenho o compromisso assumido de levar dois monólogos meus para a Itália. Como gestor cultural e  sem falsa modéstia, gostaria de ajudar o país a construir a sua nova política cultural que tem tudo pra ser a melhor mais democrática e completa do mundo. Tenho observado os projetos no congresso nacional e mesmo os movimentos locais aqui no Paraná, mas falta comparar com o que existe lá fora e mostrar porque eles são bons de verdade. Tenho 24 anos de história ligada ao teatro de Curitiba. Vi nascer a lei de incentivo à cultura que hoje é responsável por 95% do que se faz aqui. Vi o auge e a decadência do Teatro Guaira, contribuí muito com  sucesso do Teatro Lala Schneider, mas nada disso me dá a certeza de que sem fundamentos econômicos e sociais como os que vi lá fora vamos criar um mercado consumidor de arte. O que, ao contrário do que dizem os fundamentalistas da independência artística, é bom, saudável, necessário e nunca vai mexer na obra de arte. Afinal segundo François Colbert, canadense marqueteiro das artes, o produto cultural é intocável do ponto de vista do marketing cultural, termo que aliás perdeu o sentido no Brasil. À frente do setor cultural brasileiro precisamos de gestores com sensibilidade, conhecimento do mundo das artes e competência técnica pra fazer as reformas necessárias. Esse cara não sou eu, mas gostaria muito de estar do lado dele.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O MERCADO DE TEATRO EM CURITIBA

Um grande bate-papo que fizemos sobre o mercado teatral de Curitiba. Muito diferente da realidade de Milão, onde vivo, estamos longe de termos consumidores habituados a frequentar de terça a domingo os 16 teatros da cidade. Isso sem contar shows, eventos, desfiles, museus, mostras, musicais, stand-up, ballet, cabaret, ópera, parque, galeria de arte, casa cor, etc...

Precisamos mais discussões como estas. Com a participação de gestores, doutores, mestres, artistas, jornalistas. Urge na nova realidade brasileira uma discussão franca e transparente. É fundamental entendermos que cultura depende da fomento mas também do consumo dela.



No primeiro bloco, cada um dos entrevistados expôe a sua visão sobre o porquê do público curitibano não frequentar as salas locais.

Mais descontraídos no segundo bloco, falamos um pouco sobre o preço dos ingressos e sobre os incentivos fiscais à cultura. A visão dos produtores e proprietários de teatro.  Na terceira parte as reflexões sobre como podemos mudar este quadro.

Fundamental assistir e refletir. Somente dialogando assim é que poderemos contribuir para a formação de um mercado consumidor de teatro em Curitiba.

ASSISTA : http://www.otv.tv.br/video/a-cena-teatral-curitibana/

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

MOMENTO ITALIA BUNGA BUNGA BRASIL

Berlusconi. Ignorado no G20. Vexame na TV.
Sinto-me quase na obrigação de escrever sobre a queda do governo Berlusconi e sobre a mudança de direção no comando do país em que vivo. Ainda que seja uma situação provisória.

Tenho acompanhado e vivido o drama da política italiana. Não bastassem todos os escândalos de "Mr" Berlusconi, o magnata de sucesso tinha que se revelar ainda uma falência total como estadista. Ao cúmulo de no encontro do G20 em Nice, nenhum líder querer ficar perto dele. O vexame foi apresentado em diversos canais italianos em rede nacional.

Mas quanto tempo demorou para que um bando de apadrinhados políticos percebessem que há mais de 10 anos a Itália não só está parada mas segue na contramão, dentro de um túnel escuro e sem farol. 

O Bocconiano Monti, acumula a pasta econômica
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O pior é que se observa uma tranquilidade no país que é de assustar. O governo cai, uma crise gigantesca, PIB encolhendo e uma grande maioria que não se importa. Passam alheios aos fatos como se nada estivesse acontecendo. A política passa longe das rodinhas de bar.

Desde comerciantes italianos investindo em lojas e negócios, passando pelos defensores de Berlusconi e até os imigrantes para quem nada parece nunca mudar. Nem mesmo o senso de pertencer ao país. Sentimento fundamental para o ser humano, mas negado ao estrangeiro, e que os faz viverem em verdadeiras colônias etnicas dentro de uma Itália que não dialoga a língua da globalização. 
Giuliano Ferrara, ex-berlusca e maior crítico
do governo de Monti. Quer pegar? 
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Outra parte, defende o governo técnico do bocconiano Mario Monti. Esta maioria é ligada aos partidos que governam ou já governaram a Itália. E isto segue a lógica da perversidão política. Tais partidos sejam de direita ou de esquerda sabem que cortes e ajustes fiscais exigidos pela União Européia são tão impopulares que só poderão ser feitos por um governo sem a legitimidade das urnas. Ou seja para Berlusca um tremendo negócio ter deixado a "bota" nas mãos do Professor Monti.
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Outros, mais esquentados, associam o novo governo Monti a um golpe de estado disfarçado. Dizem que anteriormente se subia ao poder com armas. Hoje a arma é a depreciação dos títulos italianos. O "spread bancário". Ou seja o que se vê é um golpe de estado de banqueiros que tomam o poder pra salvarem os depósitos de um sistema bancário do século XIX. O engraçado é que a maioria destes críticos vem da direita italiana, principais interessados no sistema financeiro.

Por fim, os adeptos do quebra-quebra. Querendo aparecer a qualquer custo e inspirados nos franceses e ingleses invadem Universidades como a Bocconi e promovem arruaças e vandalismos. Sempre com a alegação de que se formou um um governo de extrema direita.

Quebra, quebra na Bocconi.
No entanto o que fica visível é que todos estes lados querem uma única coisa. Eleições já! Em nome da democracia.Agora é fácil. Com a  impopular lei de estabilidade até Berlusconi defende novo pleito. Seria como dizer no Brasil: ninguém votou a CPMF, mas ela foi técnicamente necessária.

Então, vamos a um novo capítulo na história da Itália. Vamos recomeçar do zero. Mas quem seria candidato? Talvez até mesmo Berlusconi que talvez até venceria. Não porque a Italia inteira o ama, mas por que somente quem o ama sai de casa pra votar. Este é o nível de alienamento político de uma nação não preparada para o voto facultativo.

Sinceramente eu gostaria que em nome do fim do Momento Italia - Bunga Bunga - Brasil tivéssemos nós um golpe de estado como este italiano. Um golpe apoiado pela presidente, pela câmara e pelo senado. Um golpe que nomeasse no lugar de todos os seus  ministros corruptos os professores e doutores das melhores universidades do Brasil.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

METRO DE CURITIBA X METRO EUROPEU

Bonde moderno convive com modelos do século passado
Em Milão a passagem de onibus/metropolitana custava €1 (R$2,5). Depois que o partido de Berlusconi perdeu a prefeitura foram divulgados rombos enormes na ATM uma espécie de URBS que controla o sistema. Cerca de € 300 milhões de furo. Assim a passagem subiu pra € 1,5.

Gastaria quase € 90/mês pra andar. No entanto posso ter uma assinatura mensal sem limite de uso por €30. Ou uma semanal com 12 bilhetes pra ir e vir durante seis dias por €8,4. O bilhete sempre vale por 90 min em qualquer "meio-público" e se for o caso posso até usar o mesmo bilhete pra ir e vir. Posso inclusive descer pra depois pegar novamente a mesma linha. Se andar muito o dia todo convém usar o diário €4,50 por 24 horas e rodo sem parar. 

Mais que mobilidade urbana isso é política de preço. Será que alguma empresa de Curitiba está preocupada com isso?

Bonde turístico que querem ressuscitar em Curitiba,
em Milão funciona um café dentro. No Natal
circula com luzes patrocinadas pela Peugeot.
É verdade que o transporte de Milão já foi melhor. Ainda rodam bondes, trens e ônibus velhos. Mas em 35/45 min troca aqui e ali você chega. Mobilidade. Temos o maior ônibus do mundo e ainda não conseguimos estratificar o consumidor de Curitiba. A metropolitana seria uma maneira de atrair as pessoas para o sistema. Que tal pegar o trem na estação Poty Lazzaroto com painéis do pintor e descer na estação da Ponte Preta pra ler um pouco de Dalton Trevisan? Que tal construir as estações com pequenos cinemas, bibliotecas, museus e teatros?

Acredito que uma boa dose de criatividade poderá atrair a classe média para os novos "meios públicos" de transporte em Curitiba. Algo que já acontece. Quem nunca sentiu vontade de dar uma passeada na linha turismo em um bom dia de sol? Ou mesmo nos longos e novíssimos BRTs?

Sociedade contemporânea. Como será a metropolitana de Curitiba?
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Mesmo se não aconteça tal "contaminação", e com tantos discursos contra, é preciso lembrar que a metropolitana é um ponto de encontro. Não de pessoas em si. Mas das pessoas para com a sua cultura. Para olhar a gente brasileira basta olhar dentro do transporte coletivo. Recentemente vi na Bienal de Veneza. um magnifíco trabalho o qual defini como "sociedade contemporânea".

Por fim, deixo aqui como exemplo a metropolitana de Torino. Tentativa para as Olimpíadas de inverno de 2006 e que obviamente ficou pronta depois.
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Sem condutor e com portas duplas nas estações o trem circula por galerias sempre iluminadas o que torna o percurso uma verdadeira viagem ao futuro. Sempre quis publicar este vídeo e já que se discute tanto a metropolitana  de Curitiba decidi deixar aqui uma contribuição com imagens da mais moderna da Itália. Quem puder, e quiser, pode dar uma olhada nos outros posts deste blog. Tenho certeza que vão se interessar muito.

Senhoras e senhores, a metropolitana de Torino, capital do Piemonte e da FIAT. Dos vinhos Barbera, Nebbiolo, Barolo, Barbera, Bonarda, Dolcetto di Alba e claro os da região de Asti. A cidade fria, trabalhadora, organizada, e acolhedora mas que é ofuscada pelo capital financeiro de Milão e pela festividade de Roma. Lembra alguma coisa? Godetevi: Metropolitana de Torino, ao custo de €350mi

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

OS "OIGNORADOS" NEM TANTO ASSIM

 "A Oi Futuro aguarda a criação de lei no Paraná"

Isso foi publicado pelo Twitter. Parece piada de twitteiro. Ainda que a Lei Estadual do Paraná venha ser votada este ano (possibilidade remotíssima) ela não entraria em operação imediatamente. Isso é obvio. Qualquer um conhece a sistemática da burocracia brasileira. Haverá todo um procedimento legal de regulamentação até que seja possível abrir o primeiro edital. No mínimo dois anos, desculpem os colegas, mas estamos falando de segundo mandato do governador se é que virá. 

Fica nítida a predileção por estados onde o instituto OI FUTURO administra centros e projetos de cultura.
  Assim, voltando à OI, o edital atendia duas leis: Estaduais e Municipais. A Lei Municipal de Curitiba está há quase 20 anos em operação. Foi pioneira e modelo para o Brasil. Então o que dizer pra todos aqueles que entraram no sistema, cadastraram seus projetos e que não foram sequer analisados? Por que criar campos em que era permitido inscrever um  projeto da Lei Municipal de Curitiba?

Além disso,  o volume de projetos aprovados no Rio Grande Sul (4), é muito pequeno se analisarmos a representatividade da cultura gaúcha para o Brasil que são desde sempre os maiores defensores de sua própria identidade cultural. E qual a explicação para o estado de São Paulo com somente 4 projetos?

Eu não deveria, mas vou ceder uma estratégia de relações públicas para compensar todo este lapso de quem administrou a catástrofe deste edital. (imagino que tal pessoa deva estar sendo "OIVIDO" neste momento). A OI não precisa esperar por outra lei. Já que Paraná e Santa Catarina não tiveram atenção de seus antigos governantes, não dispondo até hoje de leis estaduais operantes, a OI pode corrigir esta injustiça incentivando diversos projetos pela Lei Rouanet. 

Torre da TELEPAR no Paraná:
Aqui a OI não esqueceu de colocar
rapidinho o seu nome.

Apesar da encolhida de 20% no terceiro trimestre, já é certo que no ano de 2011 a OI vai lucrar e gerar um baita imposto de renda. O Paraná tem pressa e imagino que Santa Catarina também. Estes estados podem e merecem ser incentivados pela Lei Rouanet. Ou vamos continuar sendo OIGNORADOS?

Estranhamente, depois do caso armado a Oi Futuro se manisfestou novamente pelo twitter dizendo:

@marinojunior o resultado do edital Programa Oi de Patrocínios Culturais 2012, cujas inscrições encerraram em 19/9, ainda não foi divulgado.

Ora, o edital de inscrições foi um único. Encerrado em 5/09 e prorrogado até 19/09. Foram aprovados 187 projetos e nenhum do Paraná. Mas se agora a empresa resolve dizer que "separou" o ano de 2011 do ano de 2012, sendo que isso nunca foi dito em edital nem em resultado nenhum, vai ficar cômodo. Milagrosamente em 2012 irão aparecer os estados que até então não tinham sido beneficiados. Fantástica mas óbvia a idéia do gerente de crises da Oi Futuro.

Neste caso eu me pergunto: 1 - Os 187 projetos aprovados, sendo grande parte no Rio de Janeiro, serão totalmente cobertos em 2011? 2 - Visto que a empresa paga ICMS ou ISS todos os meses independendo de calendário, o que terá sido feito dos impostos no Paraná já que nenhum projeto receberá esta pequena parte de 2011?

São mistérios que a Oi Futuro terá de esclarecer, já que ela mesmo se contradiz dizendo que: "ainda aguardava a aprovação da nova Lei no Paraná".