terça-feira, 6 de maio de 2014

NOVO PISO SALARIAL PARA ATORES IRÁ CRIAR IMPASSE PARA AS PRODUÇÕES LOCAIS

Depois de 7 anos, um reajuste salarial para a classe artística. Dá pra comemorar?

Categoria privilegiada, com recomposição acima da inflação!
No último dia 05 de maio no Mini-Guaira, houve uma reunião conjunta entre sindicato de trabalhadores e sindicato patronal SATED/PR e SEPED/PR para redefinição dos pisos salariais dos artistas e técnicos para a área teatral. A tabela existente era de 2007, desde então não havia sofrido nenhuma correção e considerando a inflação recente isto significa perdas para quem atua no setor. Mas para algumas carreiras houve recomposição de 123%, muito acima da inflação do período que foi de 58,2%. Tanto que pela primeira vez o artista entrará na faixa incidente de Imposto de Renda de 7,5% e portanto terá um desconto de R$ 172,50 por mês trabalhado. Mas será que alguém preocupou-se com o impacto de tal medida como acontece em outros setores da economia?

Um reajuste assim certamente irá afetar o tipo de produção que veremos pela frente em Curitiba nos próximos anos. Explico: o cachê mensal de um ator em um espetáculo teatral deverá sair dos atuais R$ 1.030,00 para R$ 2.300,00. O cachê dos artistas criadores passa para R$ 2.600,00 e do diretor teatral pra R$ 6.000,00. Então pela nova tabela, um espetáculo-padrão com três meses de duração, 24 apresentações e um elenco de seis atores terá um custo/cachê estimado de R$ 85.000,00. Mas este valor refere-se apenas para o pagamento dos artistas e técnicos, há que se contar ainda as despesas com a produção em si: direito autoral, cenografia, figurino, estúdio de som, locação de luz, locação de som, locação de teatro, material gráfico e divulgação.

Se levarmos em consideração que a principal fonte de financiamento aos espetáculos em Curitiba hoje é a Lei Municipal de Incentivo à Cultura, que tem um teto de investimento de R$ 107.000,00, significa que para cobrir todas as outras despesas sobrariam cerca de R$ 22.000,00. E isso no caso do projeto ser aprovado integral. Então, a viabilidade de um projeto vai depender sempre do número de atores nele inseridos, o que varia bastante conforme o texto escolhido. Shakespeare ou um Nelson Rodrigues na íntegra será algo impraticável.

Hamlet: só com um ator e uma caveira figurante.
Escolhas artísticas e autorais à parte, devo dizer que ninguém é contra que haja uma correção. Ela deve ser feita de tempos em tempos, afinal a inflação está aí com tudo. Mas se utilizarmos como base a tabela de 2007 e aplicar o IGPM-M do período através da calculadora do BACEN, a correção deveria dar um valor em torno de R$ 1.630,00. E caso fosse utilizado como critério o reajuste acumulado do salário mínimo nacional no período o aumento deveria ser de no máximo 91,2%. que daria um piso sindical em torno de R$ 1.962,42.

Então fica claro que praticar uma recomposição acima de qualquer índice certamente vai influenciar a produção local. Veremos cada vez mais monólogos, pois como em economia há a máxima de que não existe almoço de graça, o aumento aprovado pela própria classe necessitará de um correspondente crescimento de receitas que suporte isso ou de um corte radical de gastos. Um corte que será na própria carne produzindo espetáculos ainda menores do que já são, que empregarão ainda menos artistas e com temporadas bem curtinhas. Com um pouco de sorte umas 12 apresentações pra concorrer ao Gralha Azul.

Na outra ponta, aumentar as receitas significaria aumentar os investimentos em cultura. Mas não  parece que isto tenha qualquer perspectiva de acontecer, pelo menos não na mesma proporção do aumento, tendo em vista que o teto de incentivo do MECENATO foi reajustado no edital de 2012 em 34%, muito inferior portanto ao aumento concedido aos atores. No FUNDO MUNICIPAL DE CULTURA, mecanismo que a classe vem defendendo em substituição à renuncia os aumentos foram igualmente inferiores: Em 2014 Difusão em Teatro - 13% e anteriormente em 2010 - Novelas Curitibanas - 40%.

E o consumo?  Para aumentar as receitas e recompor estas perdas decorrentes da inflação seria possível praticar também uma valoração no preço dos ingressos? Claro. Se houvesse espaço e vontade pra isso. Em 1994, ano de implantação do PLANO REAL o valor médio do ingresso em Curitiba era de R$ 15,00, hoje está em R$ 30,00, chegando aos R$ 40,00 em alguns casos. Se fossemos corrigir o valor do ingresso pelo IGP-M deveríamos ter hoje um valor de R$ 90,48. Alguém tem coragem de cobrar tal valor? Talvez. Mas haveria público disposto a pagar? Obviamente não. Acrescente-se aí, o fato de estarmos colocando aqui os valores da entrada inteira. Vale lembrar que neste período a quantidade de beneficiários da meia-entrada aumentou bastante o que ajudou ainda mais a derrubar os preços.

Indicadores: base para uma recomposição que deveria ser gradual
Só que a Lei Municipal de Incentivo ainda obriga a prática de um valor máximo de R$ 30,00 por se tratar de um financiamento público indireto. Outro fator que complica ainda mais o aumento de preços é o fato de que alguns produtores optam por não cobrar entrada, pois existe a ideia de que em se tratando de evento coberto com recursos públicos não há necessidade de cobrança, mesmo que os cachês estejam absurdamente defasados e os ingressos sejam uma ferramenta necessária para cobrir este déficit. "Não há público, é melhor nem cobrar!" Dizem. Então se não bastasse os baixos valores, a impossibilidade de aumentá-los a indisposição do público em “ir e pagar” ainda há a falta de capacidade dos produtores e artistas em "tangibilizar" e consequentemente "monetizar" a arte que concebem.

E a questão do ingresso, que é ignorada por muitos, é primordial para os poucos que se dispõem a produzir "no peito e na raça", sem investimento público. Aqueles que, portanto, dependem da bilheteria e acreditam no teatro como meio de vida, numa verdadeira cruzada de empreendedorismo criativo, tão na moda nos discursos, quanto ignorado nos fatos. Estes já não podiam pagar a tabela antiga, que dirá a atual. Evidentemente haverá pressão que trará ainda mais problemas pra se montar um espetáculo sem recursos públicos. Mas com certeza ninguém lembrou destes, ao decidir por um aumento tão significativo.

Claro que nem tudo é culpa da ignorância econômica de alguns. Fico pensando também se o investimento não está cada vez mais defasado. Vejam vocês, no início de funcionamento da Lei de Municipal de Incentivo, em 1993 um projeto era aprovado por R$ 60.000,00. Em 1996, antes de existir o Fundo Municipal de Cultura, a Fundação Cultural de Curitiba financiava também espetáculos com a modalidade prêmio Novelas Curitibanas/Encena, com R$ 40.000,00. Fazendo a correção pelo IGP-M através da calculadora do BACEN este valor hoje deveria estar na casa dos  R$ 170.000,00. A modalidade MECENATO algo na casa dos R$ 360.000,00. Parece absurdo, mas é apenas a inflação!

Enfim, pelos dados acima, fica claro que nosso setor, em razão do volume de contratos que gera, necessita de indicadores de atualização quer para os investimentos quer para os salários. Índices que prevejam reajustes como qualquer outro setor da economia. Só que isto deve ser feito com um mínimo de sensatez e fundamentado em algo concreto a fim de não criar distorções. Esta nova tabela conseguiu colocar a "rotunda na boca de cena".

Por fim devo dizer que os dilemas econômicos fazem parte do dia a dia do teatro. O setor das artes cênicas, como a música clássica, o ballet e a ópera é um dos mais afetados pela Lei da Fatalidade dos Custos dos norte-americanos William Baumol e William Bowen (1960) onde as despesas (trabalhistas ou não) crescem em ritmo muito superior que às receitas (sejam elas públicas, privadas ou comerciais). E claro que esta lei fica ainda mais fatal com uma inflação batendo 6,5% ao ano como está pra ocorrer.

2 comentários:

  1. Marino, realmente é um momento de reflexão para distinguirmos o que queremos e do que é viável economicamente. Apesar de todos buscarem a valorização do artista, acredito que isso afetará as produções que só se viabilizarão com elencos menores e consequentemente teremos uma drástica redução na geração de empregos. Este, é daqueles casos em que o piso se transforma em teto. Abs, Adriano Vogue

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