terça-feira, 10 de abril de 2012

POLÍTICA CULTURAL EUROPÉIA

A convite do jornalista Desiderio Peron, editor responsável pela INSIEME - revista italiana editada em Curitiba e que trata de diversos assuntos que ligam o Brasil à Itália - dei uma entrevista bem interessante e que de certa forma conclui muitos dos assuntos que tratei neste blog.  

Conversamos sobre a experiência em cursar uma pós-graduação na Itália, a colaboração feita junto ao Piccolo Teatro de Milão e os exemplos de gestão dos teatros europeus. Espero que agrade à todos aqueles que se interessam por arte, cultura e mercado. 
A revista é publicada em italiano, mas traz em azul a tradução em português. Por precaução e para facilitar a compreensão publiquei abaixo das imagens a tradução completa. 


O texto em italiano têm tradução de Claudio Piacentini, que além de ser formado em economia é um dos grandes "alberghieros" na cidade de Roma. Piacentini foi também responsável por revisar a tese que defendi na Universidade Bocconi sobre Gestão de Marketing aplicada ao mundo do espetáculo - o caso Piccolo Teatro de Milão.










I: Que o levou a realizar o curso?
M: É uma história longa e ao mesmo tempo curiosa. Na primeira vez que fui à Itália eu tinha 21 anos, estava em Milão e fui ao teatro. Foi então que conheci o Piccolo Teatro, a sala histórica que fica no calçadão que liga o Duomo ao Castelo Sforzesco. Fiquei impressionado pela gestão organizacional principalmente no que tange a comunicação e o marketing dos espetáculos. Milão é uma cidade com bondes e ruas estreitas que nos remetem à Curitiba que só conheço nas fotografias dos anos 50. Pensei: um dia gostaria de morar e trabalhar aqui com teatro. Seis anos depois em 2002, tive a oportunidade de retornar à Itália, mas em Reggio-Emilia onde morei por 18 meses estudando e trabalhando. Na época fui cursar a Scuola Internazionale dell’Attore Comico, dirigida por Antonio Fava, um maiores conhecedores de commedia dell’arte do mundo. Quando estava para terminar os estudos, fui até o Piccolo Teatro de Milão pedir uma oportunidade de estágio pra acompanhar de perto a estrutura organizacional do teatro. O estágio não deu certo, acabaram agendando algumas apresentações teatrais em Roma e tive que descer até lá. Quando estava na estação de Termini, vi um panfleto que me chamou a atenção: “Master in Management dello Spettacolo”, promovido pela Universidade Bocconi e pela Accademia Teatro alla Scala di Milão. Era a primeira edição do curso em 2004. Pensei na carência de pessoas qualificadas no setor no Brasil. Aquele curso poderia ser um excelente programa de pós-gradução. Mas naquele momento era impossível, em poucas semanas estava voltando para Brasil. Guardei a publicidade. O tempo passou e em 2010 a Funarte, lançou um edital para bolsa-residência artística no exterior. Lembrei do panfleto, me inscrevi no edital da Funarte, passei e posteriormente a Bocconi e a Accademia Teatro alla Scala me aceitaram como aluno. Em 2011 cursei seis meses em tempo integral e três meses de estágio no Piccolo Teatro de Milão. Mas finalmente respondendo à sua pergunta: Ainda continuo acreditando que no Brasil não existe qualificação no que diz respeito à gestão no mundo do espetáculo. Não nos níveis europeus.


I: Com que visão sai dele?
M: A Bocconi é um centro de excelência Europeu no que tange à economia e à administração. É a sétima escola de gestão no ranking mundial do jornal Financial Times. O Teatro Scala e o Piccolo Teatro idem no que tange à lírica e ao teatro de prosa. Tivemos aulas que vão de contabilidade, recursos humanos e artísticos, gerência de projetos, marketing para a cultura, planejamento estratégico, empreendedorismo. Vivemos no dia a dia a realidade de centros de excelência artística, assistimos a palestras e ensaios de óperas com diretores do mundo todo. Estivemos em Londres onde visitamos outra infinidade de teatros e vivenciamos casos como o do Globe Theatre onde educação e arte vivem lado a lado. Quando olho para o Brasil, e especificamente para o Paraná, a sensação é a de que estamos muito longe disso tudo. Temos um enorme talento e um patrimônio cultural fantástico que deve ser bem administrado. Mas falta confiança. Falta aproximar Economia e Cultura, de verdade, na prática e não no discurso.


I: A tese que defende versa sobre o que?
M: Achei oportuno documentar o trabalho realizado no Piccolo Teatro de Milão. A Bocconi e tantas outras universidades Italianas estão cheias de teses sobre aquele teatro, mas gostaria que existisse uma com “olhar estrangeiro”. E que pudesse interessar aqui no Brasil. Trato da história do teatro, passo pelo caso que acompanhei quando atuava junto ao departamento de marketing, demonstro e critico alguns modelos de marketing digital aplicados ao setor do espetáculo e termino com um grande “epílogo” sobre a economia da cultura, base da tão discutida economia criativa ou a nova economia.


I: Como foi sua temporada na Itália? Fora o curso, teve tempo para contatos familiares, conhecer os lugares dos ancestrais? Que impressões teve?
M:Quando morei entre 2002 e 2004 conheci a Itália inteira. Ainda guardo um mapa onde eu minha esposa marcávamos os lugares que visitávamos. Literalmente percorremos toda a “bota”. Naquele período conseguia até imitar alguns acentos “dialetais” reconhecendo quem era de onde. Estive na cidade de Veronella em província de Verona de onde veio o avô de meu pai Marino. Desta vez foi diferente. Vivi muito intensamente a cidade de Milão. A metrópole. Pegava bonde, ônibus, metrô. Em Reggio Emilia usava bicicleta. Em Milão freqüentava muito ao teatro e exposições. Posso dizer que vi dois importantes momentos da Itália. Em 2002 o euro havia sido recém-implantado e o governo Berlusconi era muito forte. O país era muito diferente do Brasil, mais avançado tecnologicamente. Em 2011, além da crise e a troca por um governo “Bocconiano” percebe-se que o país está parado. Esperando. Como Didi e Gogo em “Esperando Godot” de Becket. O Brasil chegou mais perto da Itália. Economicamente até passou. Mas ainda estamos longe de ter o padrão de vida Italiano com trens, estradas, educação e cultura. E se não cuidarmos de problemas como as aposentadorias do funcionalismo público, poderemos ser a Itália ou a Grécia de amanhã. Como diz o tio de minha mulher, o economista Delfim Netto: “O Brasil corre o risco de envelhecer antes de ficar rico”. Se poderia trazer um exemplo atual falaria de uma das cidades que mais me surpreendeu:  Torino. Está se reinventado pela criatividade e pelo investimento em cultura. E também pela metropolitana que é um exemplo para Curitiba para o bem e para o mau.


I: Costuma dizer que não escolheu a profissão; foi a profissão que o escolheu: como vê o teatro em meio às modernas opções oferecidas pela tecnologia? Sobrevive?
M: Uma das teorias que estudamos na Bocconi diz respeito à fatalidade dos custos do setor artístico. Por mais que um espetáculo tenha público e gere receita financeira, ele nunca será capaz de cobrir seus custos com a bilheteria. Se cobre é por que deixou de remunerar atividades fundamentais para sua realização artística. Quando isso ocorre costuma-se dizer que o espetáculo é comercial. E é mesmo, pois depende exclusivamente da bilheteria para existir. Então o setor cultural é dito: estagnante, pois não cobre seus custos como os outros setores considerados progressivos. Então se faz necessária a intervenção do setor publico ou do setor privado. O Brasil está caminhando para termos investimentos públicos consideráveis em cultura, o que garante hoje a sobrevivência de muitos artistas. No entanto o setor privado limita-se a utilizar-se das leis de incentivo, o que na verdade é investimento público indireto. No Paraná nem isso fazem. Então nossa realidade é de luta constante. Se você faz um espetáculo com dinheiro público tem quem critique e você não tem público. Se faz com dinheiro da bilheteria tem publico, mas tem quem diga que é comercial e que aquilo não é arte. E se você depende do privado você não faz. Um dia eu gostaria de te responder que as os custos dos meus espetáculos são cobertos com 30% de investimento público, 30% de investimento privado e 40% de bilheteria. Aí podemos dizer que existe mercado e política cultural no Brasil. Sem hipocrisia. Sem dever nada pra ninguém, apenas fazendo o nosso trabalho como em qualquer país desenvolvido no mundo.


I:Seus planos para o futuro.
M:Como artista tenho o compromisso assumido de levar dois monólogos meus para a Itália. Como gestor cultural e  sem falsa modéstia, gostaria de ajudar o país a construir a sua nova política cultural que tem tudo pra ser a melhor mais democrática e completa do mundo. Tenho observado os projetos no congresso nacional e mesmo os movimentos locais aqui no Paraná, mas falta comparar com o que existe lá fora e mostrar porque eles são bons de verdade. Tenho 24 anos de história ligada ao teatro de Curitiba. Vi nascer a lei de incentivo à cultura que hoje é responsável por 95% do que se faz aqui. Vi o auge e a decadência do Teatro Guaira, contribuí muito com  sucesso do Teatro Lala Schneider, mas nada disso me dá a certeza de que sem fundamentos econômicos e sociais como os que vi lá fora vamos criar um mercado consumidor de arte. O que, ao contrário do que dizem os fundamentalistas da independência artística, é bom, saudável, necessário e nunca vai mexer na obra de arte. Afinal segundo François Colbert, canadense marqueteiro das artes, o produto cultural é intocável do ponto de vista do marketing cultural, termo que aliás perdeu o sentido no Brasil. À frente do setor cultural brasileiro precisamos de gestores com sensibilidade, conhecimento do mundo das artes e competência técnica pra fazer as reformas necessárias. Esse cara não sou eu, mas gostaria muito de estar do lado dele.

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