terça-feira, 18 de outubro de 2011

COMMENTS SOBRE CULTURA E INCENTIVO FISCAL: TODOS SOMOS "ESPERTOS"


A estética atual do teatro está agradando a quem?

Um grande problema que sofremos na internet é publicar algo que merece muita atenção mas a repercussão do tema se torna tão grande que acaba levando assunto para outro lugar. Pior ainda se este for o lugar comum. 
No artigo anterior falava da falência econômica do setor do espetáculo em Curitiba e alguns acabaram discutindo a falência da estética, da proposta, da arte curitibana. Outros questionaram o modelo de financiamento das leis de incentivo. Muitos elogiaram o texto, o que me deu um certo alívio pois estava me preparando para sapatadas.
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Obviamente os assuntos estão muito ligados.  Mas não tinha a pretensão de falar sobre teatro curitibano (espécie de assunto narcisista em que todos enxergam somente a si mesmos) ou sobre a leis de incentivo (outro assunto que o curitibano adora ficar discutindo interminavelmente, como uma reunião de condomínio).
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A economista Ana Carla Fonseca, viu nascer há 10 anos
em Londres e Milão a base da Economia Criativa

Queria falar sobre Economia da Cultura e Gestão do Espetáculo. Algo que os britânicos enquadram dentro da Economia Criativa e há mais de 10 anos estudam os fenômenos do setor. São muitos. No Brasil foi criada inclusive uma secretaria especial no Ministério da Cultura. Estranhamente não ouço falar de Economia Criativa em Curitiba. Em lugar nenhum. Na imprensa local parece que Economia e Cultura trabalham em bairros separados.
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Já com as LEIS DE INCENTIVO é diferente. Estas sempre dão mais visualizações e merecem atenção.
Assim vamos falar um pouquinho dos modelos de fomento e incentivo à cultura espalhados pelo mundo.
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Costumamos criticar muito a ROUANET em nível federal e o MECENATO em nível local. Na verdade as duas leis tem a mesma origem. Assim de agora em diante chamaremos: FINANCIAMENTO PÚBLICO INDIRETO À CULTURA. Este é nome do animal que achamos ser uma espécie exclusiva do Brasil. E não é. Na verdade apenas importamos um modelo de renúncia fiscal que está presente em várias economias.
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No mundo ocidental em particular existem dois tipos de financiamento à cultura que podem ser estudados.
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1 – OFERTA de bens, produtos e serviços culturais que é feita diretamente através de recursos via fundo com financiamento DIRETO do estado ou através de dedução fiscal com financiamento INDIRETO do estado tendo o mercado como elemento regulador.
Vouchers são um modelo usado em
vários países e que financia o acesso.
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2 – DEMANDA por bens, produtos e serviços culturais onde quem é financiado é o consumidor final da cultura. Geralmente é feita através "vouchers" como o vale cultura que tramita no congresso. Mas até mesmo a meia-entrada pode ser considerada um financiamento à demanda cultural.
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Também pode ser em nível DIRETO neste caso um tipo de meia entrada subsidiada pelo estado (seria o sonho dos artistas no Brasil que costumam ser o chapéu alheio da cortesia) ou INDIRETO (como vale cultura com dedução fiscal).
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Em qualquer uma das situações acima o modelo indireto é o mais descentralizado, pois a decisão de acesso ou financiamento fica nas mãos dos privados sejam eles "sponsor" ou "consumidores" da cultura.
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Quando falamos em FINANCIAMENTO INDIRETO À DEMANDA, temos um triângulo regulamentador: a EMPRESA que beneficia o CONSUMIDOR através da DEDUÇÃO FISCAL do "voucher", ou vale cultura.
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La Scala, um dragão que queima 30% de todo o
orçamento público para o espetáculo italiano.
Em geral os modelos 100% DIRETOS, como o caso da França e da Itália, são mais reféns do aparelhamento político do estado, já que fica tudo nas mãos do "poderoso" Ministério da Cultura. Funcionam através de repasses diretos ou editais de seleção pública lembrando um pouco nossos fundos municipais, estaduais e federais.
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Uma das formas de amenizar este efeito é a descentralização. Repasses entre fundos nacionais, regionais e municipais. É o sistema CONSORCIALISTA, parceria entre ente local (estados e municípios) e ente federal (o ministério). Isso acontece muito na Alemanha por exemplo.

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Já nos modelos 100% INDIRETOS como os Estados Unidos a descentralização é chamada de PLURALISTA. Mistura os recursos dedutíveis em todas as esferas de governo mas trabalha com a decisão de financiamento nas mãos de privados. Porém nos USA o projeto não é aprovado por comissões, pareceristas, etc. É uma logica de processo cultural. É um sistema. Toda entidade não lucrativas que atua com caridade, educação, saúde, cultura e religião está apta a receber doações. Além disso não são tributadas em nenhuma esfera. O trabalho de investigação e fiscalização fica por conta de um forte e atuante ministério público além é claro do tesouro americano.
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Na Inglaterra e no Canadá o sistema é DESCENTRALIZADO. A intervenção do estado é quase nula. Os chamados "arts council" atuam como braços do governo. Trata-se de uma agência semi-pública com governança própria que administra e distribuí os recursos da cultura no país. Este papel no Brasil até certo ponto é feito pela Funarte com seus editais e inspirou a criação da Fundação Cultural de Curitiba. Só que estes entes não se enquadram neste modelo chamado "arms-lenght". A Funarte e a FCC são entes 100% públicos com todos os problemas pertinentes à genética da política brasileira.

Globe Theatre, funciona sem um centavo público e ainda
transformou socio-economicamente a região,
a educação e o turismo de Londres
Dito isso fica claro que os modelos evoluem de acordo com a situação cultural, política e econômica de cada país.  É evidente quando comparamos Inglaterra e França. Até mesmo o fator religioso foi determinante para entender o surgimento de sistemas tão diferentes. 
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O Brasil, com seu território continental e uma cultura diversificada, está trabalhando para ter uma mistura de tudo o que foi dito acima. Atender oferta e demanda através de financiamentos diretos e indiretos. Mas não podemos esquecer que o setor privado também deve dar sua contribuição sem esperar dedução fiscal. Caso contrário seremos eternamente reféns das leis de incentivo e suas lógicas de projeto.

Neste cenário tão complexo a função dos que julgam projetos deve ser multidisciplinar. Os pareceristas garantem a legitimidade dos processos aprovados e merecem condições que lhes garanta isenção no seu trabalho.

Quem bate o martelo nos projetos
se preocupa com impacto econômico?
Porém devem também ser coerentes com sua missão e com as particularidades da cultura brasileira. Nosso país está cheio de gestores públicos da cultura que primam pela "qualidade" e pela "excelência artística". Mas tudo isso é subjetivo. É nestas horas que ao cidadão devería se perguntar: onde estão os analistas para os impactos econômicos, sociais e culturais?
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Quando fazemos estas perguntas fica claro que certas distorções do atual FINANCIAMENTO PÚBLICO INDIRETO À CULTURA não serão resolvidas por parecerista algum. Ainda mais em um país tão diversificado e onde tanta gente entende do mercado cultural baseada apenas pelo gosto pessoal.

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