sábado, 12 de março de 2011

BOND, SHAKESPEARE, BROOK, WILDE E UM TSUNAMI

A TEMPESTADE, NO TEATRO ELFO
TEATRO EM MILÃO - Tenho frequentando mais teatro em Milão do que em Curitiba. Não que seja uma novidade exatamente, afinal quem me conhece sabe muito bem que dificilmente vou ao teatro. Confesso que tenho uma boa justificativa pra isso. É dificil para uma pessoa que passa o dia dentro de um teatro e muitos finais de semanas por ano em cima do palco ter vontade de sair de casa para ir assistir a um espetáculo. Creio que pra poder apreciar um espetáculo com isenção você tem que estar um pouco fora de cena, sem "figurino e maquiagem". Assim ir ao teatro em Milão quebra um pouco a minha rotina, já que ele não faz parte dela.
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Além do Teatro alla Scala, que frequentamos quando vamos aos ensaios gerais das óperas, tenho sido um "cliente fiel" de dois teatros Milaneses. O Piccolo Teatro e o Teatro Elfo Puccini. Sem sombra de dúvida, estes dois complexos, cada um com suas três salas cada, explicam bem como funciona o sistema da "prosa" (teatro falado) em Milão. O Piccolo como teatro estável de iniciativa pública e o Elfo-Puccini como teatro estável de iniciativa privada representam, segundo o meu ponto de vista, um padrão de excelência de serviços e de espetáculos que atende perfeiramente a teoria do professor Salvemini na relação instituição-artista-público.

Convém lembrar que ambos são teatros convencionados com a Prefeitura de Milão. Ou seja fazem parte dos 17 teatros que recebem anualmente, e segundo critérios específicos, recursos que compõem a verba anunal para gestão do espaço. Verba que complementada com os recursos da Região Lombardia, Editais das Fundações Bancárias e do Fundo Único do Espetáculo, patrocinadores privados para as salas, patrocinadores privados para os projetos, receita de bilheteria e locação das salas compõem o budget anual, que torna possivel os teatros estáveis existirem de forma decente na Itália.

LA COMPAGNIA DEGLI UOMINI - A primeira peça que assistimos foi "In the Company of Men" texto do inglês Edward Bond, dirigido por Luca Ronconi no Piccolo Teatro (a histórica Sala Grassi da Via Rovello onde estive em 1996 assistindo ao extraordinário Moni Ovadia). Um espetáculo preciso, de grandes atores, com excelente interpretação, uma boa e atual dramaturgia e uma montagem extremamente simples

Três horas de espetáculo que me prenderam a atenção. No espetáculo não há uma única inserção musical. Texto puro e denso. Uma montagem referenciada no teatro alemão dos anos 70. Muito interessante não fosse a idéia, um pouco datada, de fazer as transições e mudanças de cena com luz de serviço. Tal recurso  ressalta a debilidade de ação coreográfica da contra-regragem e que nada acrescenta à beleza estética da obra cênica. 

A TEMPESTADE -  Em uma quinta-feira qualquer pude conhecer o complexo multi-salas chamado "Teatro Elfo-Puccini" onde assisti "A Tempestade" de Shakespeare. Um espetáculo extremamente preciso, limpo e coerente. Inclusive com o fator político do qual o texto trata, mas que dificilmente é explorado por quem não conhece a história da Itália e de seus vários reinados. O aspecto técnico da sala de 600 lugares contribui muito para a limpeza e precisão da montagem. A personagem de Ariel entra e sai suspensa por um cabo de aço silenciosíssimo, além de uma bela sonoplastia com recursos de última geração. Não bastasse isso, um ciclorama muito bem iluminado acaba por criar efeitos de luz afinados com a precisão do um espetáculo que talvez só peque por ser muito correto. Mas que mal há? Afinal o "feedback" pretendido pelo texto de Shakespeare é muito autobiográfico e uma montagem que traz o grande ator italiano como Umberto Orsini no papel principal não poderia aventurar-se em mares nunca antes navegados. 

FLAUTA MÁGICA - Algumas semanas depois tivemos o encontro tão esperado com o mito Peter Brook. A sala Strehler do Piccolo de Milão é um teatrão de 900 lugares inaugurado nos anos 90, mas concebido na década de 70. Talvez por isso lembre muito o saudoso Teatro do Sesi em Curitiba.  Fomos todos juntos para assistir "Il Flauto Magico" de Mozart. Uma grande ópera adaptada por um grande artista como Brook. Com a intenção de ser "uma livre-adaptação sobre a obra de..." o espetáculo pareceu não atingir não só as nossas espectativas mas a do público em geral. Bem isso acontece. E é normal que aconteça. Mas o que dizer quando está falando de um "monstro sagrado do teatro contemporâneo"? O que dizer quando se fala de uma pessoa que influencia tantos e tantos mundo afora? Dificil dizer. Vi pouca coisa dele. Muito ouvi falar. Mesmo assim ao assistir ao espetáculo aprendi algo. Tinha proposta e conteúdo, mas que não parecia orgânico, real. Talvez tenha sido uma questão de formato. O que podemos ter a certeza é que Brook está buscando o simples também e talvez ainda não tenhamos a capacidade de apreciar tal genialidade.

SALOMÉ - Na semana passada retornei ao Elfo, desta vez na sala Fassbinder, pra assistir "L'ultima recita di Salomé". Tendo como base o texto de Oscar Wilde que conta a história da princesa da Judéia o espetáculo incluia algumas passagens de "De Profundis" e "Balada do Carcere Reading". Interpretado por três atores a peça propõe um tipo de metateatro onde a troca de figurinos e personagens é feita a olhos vistos.
Além disso toda a ação parece acontecer dentro de um circo de periferia todo em tons vermelhos. Ferdinando Bruni, um dos fundadores da companhia e do Teatro Elfo reveza-se nos papeis de Wilde, Erode e Iokanaan. Enzo Curcurù nos papel de um tipo de Apresentador, Soldado Siriano e de Erodíade, enquanto Salomé é interpretada por Alejandro Bruni Ocaña.

Uma montagem bastante coerente com a proposta. Quando se cria um conceito de espetáculo, mantendo o mesmo alinhado com o público que compra a idéia fica dificil errar. Em alguns momentos a peça me lembrou um pouco dos espetáculos do amigo César Almeida, sobretudo na exuberância e ousadia dos figurinos e na própria proposta. Em outros me fez vir em mente alguma coisa dos Satyros em São Paulo. Como o despojamento de uma lua feita de isopor e brilhantina, ou a dança de Salomé dentro de em um foco feito de efeitos psicodélicos e com uma música muito cafona. Lamento apenas não haver um efeito para a cabeça cortada de Iokanaan, mesmo assim o diálogo entre Salomé e Wilde tornam o final uma homenagem ao autor. Obviamente chama a atenção o fato de Salomé ser interpretada por um homem, mas algumas correntes costumam dizer que a personagem foi criada para ser um alter ego do próprio Wilde para quem "cada um sempre mata aquilo que ama".


URGE - Novamente ao Elfo, na sala Shakespeare um encontro visceral com "Urge" de e com Alessandro Bergonzoni. Um mestre das palavras? Um cômico? Um ator? Um poeta? Um performer? Um escritor? Um anárquico? Não sei. Um muito de tudo isso. Entendi muito pouco do que dizia. Com um ritmo devastador esta "pessoa" começa a contar um sonho e vai terminar somente 70 minutos depois. Seus textos rasgantes parecem surfar entre o "nonsense" e o jogo de palavras. Pela minha experiência de ator um monológo de 60 minutos é composto por umas 22 páginas. Posso dizer que alí haviam umas 80. De reflexão, filosofia e comédia. Textos diretos. Não há tempo pra pensar. Deve-se rir e preparar-se pra rir novamente. Não há tempo de piada não há tempo de comédia. Não há tempo de mudança de luz. Não há tempo de mudança de cena. Tudo é ritmo e velocidade num imenso "tsunami" de palavras.

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