domingo, 3 de abril de 2011

SONHO DE OUTONO


Valeria Bruni e Pascal Greggory
Este fim de semana fui conferir a estréia em Milão de "Rêve d'Automne" (Sonho de Outono), co-produção do Piccolo Teatro de Milão com o Théâtre de la Ville-Paris e o Museu do Louvre para o texto do Norueguês Jon Fosse. Em cartaz no Teatro Strehler o espetáculo impressiona pela dimensão cenografica e pela interpretação dos atores.

Costuma-se dizer que o teatro contemporâneo é um teatro de palavra, onde cenografia, figurino e luz tem um papel secundário. No entanto o que chama a atenção nesta montagem é a dimensão da cenografia. A ação, que é originalmente proposta em um cemitério, é trasportada para o salão principal de um museu. A sensação que se tem é que estamos realmente no interior do Louvre, com paredes altas, quadros imensos e grandes portas que dividem as salas. A iluminação nunca se altera e utiliza-se das portas e janelas cenicas para iluminar o palco. É como se todas as fontes de luz viessem da iluminação natural. As intervenções sonoras feitas à pedal sostenuto auxiliam a criar toda a atmosfera de "espera" da obra.
Quem está vivo e quem está morto?

Jon Fosse define o contemporâneo como um conjunto de sensibilidade, musicalidade e idéias. Mas se tudo isso é verdade, por que a montagem francesa propôs uma cenografia e  uma iluminação absurdamente realistica? A resposta é simples. Ao recriar fielmente o ambiente a cenografia volta a ter um papel mais funcional do que estético. Traz a sensação de estarmos observando a realidade. Afinal ao circularem pelos corredores deste museu, local que abriga pensamentos e memórias, estas almas se encontram para não só discutir mas para viver o passado.

Obviamente nada disso faria sentido se fosse esquecida a importância da palavra. O que não acontece, já que a montagem conta com um elenco fabuloso de atores franceses. Valeria Bruni-Tedeschi, irmã da primeira dama Carla Bruni Sarkozy e conhecida no Brasil pelo filme "Um bom ano", interpreta a protagonista ao lado de um impecável Pascal Greggory, de "Piaf" e "Joana D'Arc". O espetáculo todo em francês traz uma musicalidade nas palavras que mal se vê tempo passar. E é justamente disso que o texto trata. Do tempo que passou. Do tempo perdido. O tempo de forma concêntrica não linear.


Gigantismo e realismo da cenografia

A direção é de um dos mais aclamados diretores franceses Patrice Chéreau, do filme "Rainha Margot". Aliás uma coisa muito comum na Europa é vermos diretores transitarem pela ópera, teatro e cinema. Franco Zefirelli por exemplo foi responsável por memoráveis montagens no Scala de Milão.

Penso que os diretores de cinema atingem mais rapidamente os objetivos do teatro contemporâneo devido a sua forte ligação com a dramaturgia e com o atual. Afinal a matéria prima para retratar a vida é a própria vida. Concluo que é inutil discutir a contemporaneidade através da forma. Afinal a mesma pode estar simplesmente no argumento, na idéia. Como Jon Fosse diz no texto do programa: "um bom teatro pode existir à partir de qualquer coisa; o importante não é de que coisa trata, mas como se trata." Seguramente Patrice Chéreau tratou muito bem a obra de Jon Fosse.

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